Marcelo D2 – Amar é para os fortes (2018)

a1hxcqjpofl._ss500_Por Francelino Prazeres de Azevedo Filho

O hip hop brasileiro passou por uma fase muito interessante no começo dos anos 2010. Digo “interessante” e não “era de ouro” porque estou falando das minhas opiniões, e pelo que vejo, a crítica especializada não concorda com minha visão, não 100%, ao menos. Naquela época, a moda da vez era um hip hop antropofágico, que sugava as influências dos inúmeros gêneros e tradições musicais brasileiros, sempre trazendo samples obscuros, ganchos que grudavam na cabeça, e um som que borrava o limite entre rap e MPB. Depois, talvez por causa da natural mudança de tendências musicais, talvez por causa do golpe de 2016 que afundou e continua afundando as perspectivas sociais e econômicas brasileiras, o som do hip hop mudou. Ficou mais cru, mais trap, mais agressivo, mais isolacionista e menos melódico. E embora eu reconheça a importância e a necessidade social de tal estilo, particularmente nas letras, não consigo apreciá-lo musicalmente. Para mim, o que era uma “era de ouro” acabou precocemente, sem atingir completamente o gigantesco potencial que eu via.

Ninguém mandou o memorando para Marcelo D2, no entanto. Seu Amar é para os fortes parece situado completamente no estilo de Criolo, Conká, Senzala Hi-Tech e Ogi. É uma espécie de musical hip-hop, lançado em acompanhamento a um curta-metragem de mesmo título, estrelado pelo filho de D2. Como não vi o filme, não posso comentar das qualidades do mesmo, mas no álbum, trechos de diálogos estão presentes em quase todas as faixas, e, devo dizer, pelo que aparece no disco, a história é bem fraca. O diálogo abaixo, da canção Parte 2, é particularmente patético, artificial, e agride meu paladar de tal forma que por si só já seria suficiente para me fazer abaixar a nota:

– Então, vem cá. Francesa, vai morar em Nova York. Daí tu conhece a brasileirada toda modelo, te apresenta o modernismo e tu resolve vim pra cá pro Rio pra estudar Tarsila do Amaral. Caralho, hein, cara. Tipo, privilégio que virou curiosidade ao invés de virar medo. Visão.

– E você, cara sensível que vai parar lá na galeria pra ficar mais perto da arte, esperto isso. Quero dizer, falta que virou curiosidade ao invés de virar ódio.

Se os outros diálogos parecem ter vindo de uma minissérie da Rede Globo, este foi retirado diretamente de uma temporada perdida de Malhação.

Já musicalmente, o álbum é muito bom. Seja por meio de samples ou melodias originais, ele bebe de toda uma variedade de gêneros brasileiros e até mesmo do pop francês retrô, em uma faixa. Depois da tempestade, a faixa em questão, teve seu refrão escrito pelo francês Sasha Rudy, na época com 16 anos, e se destaca pela sutileza e doçura num disco em geral mais áspero. Ainda melhor é Resistência cultural, que após ter sido lançada como single, com participação de Siba e Hélio Bentes, ganha uma versão diferente no álbum. Desta vez com Gilberto Gil nos vocais, e uma sonoridade de sanfona e flauta que parece que veio direto das colaborações de Gil com Dominguinhos nos anos 70. Falando em Siba, foi muito bom ver a magnífica Folha de bananeira, da sua Fuloresta, na voz de Biu Roque, ser sampleada justamente na canção-título, ainda que para mim seja uma das mais esquecíveis do disco em rap e gancho. Febre do rato é instigante, e foi feita sem samples, mostrando o quão bacana fica o som do hip hop com instrumentação assim. Filho de Obá fecha o álbum com seu magnífico refrão em afro-samba cantado por Danilo e Alice Caymmi. Tem uma participação talvez até simbólica de Rincón Sapiência, que para mim é de longe o melhor da geração pós-2016 do hip hop.

O disco é curto, somente 32 minutos, incluindo as conversas moles em todas as faixas. De suas 10 músicas, 4 são sem muita estrutura, do tipo que, em álbuns maiores, sobram e até fazem ligação entre as outras. Neste, entretanto, não há muito a ser ligado, e senti muito a falta de mais canções de porte, que mantivessem o nível de Resistência cultural, Febre do rato e Filho de Obá. A força destas acaba diluída, e sem a constância da pressão musical, não consegui me apaixonar pela experiência. Ainda assim, achei lindo o resgate do estilo do começo dos 10s, e espero que esta obra incentive mais artistas a se enveredar por este caminho. Se não o disco todo, ao menos as músicas mais fortes deixam bem claro como tal caminho pode ser maravilhoso.